Personagem
Doente na viagem
meus sonhos mantêm o curso à débil chegada.
Bashô |
Vai chegando em casa
abraçado às ocorrências
do seu dia a dia.
Shiki |
Minha mulher pego
saltando sobre os cascalhos
da estrada de casa.
Shiki |
Despenha-se a luz,
e as colunas despertadas,
mesmo imóveis, bailam.
Octávio Paz |
Derradeiros raios
sobre a paleta da tarde
matizam as nuvens.
Manoel |
Haicu
Tanque musgoso,
uma rã salta.
Barulho de água.
Bashô |
Monte Kehi. A lua
caiu, e o sereno adensa
pelos contrafortes.
Buson |
Um trovão estronda –
e os trovoezinhos ecoam
na selva em redor.
Nempuku Sato |
Libélula voando,
por um instante parada.
A sombra no chão.
H. Masuda, Goga |
Colado à vidraça
bola surrada e um guri –
chuva de verão.
Teruko Oda |
Rã, quigo (palavra da sazão) de primavera; sereno e libélula, quigos de outono; trovão, quigo de verão.
À ocidental
Quando alguém deseja
expor devoção filial
os pais já se foram.
Shiki |
Em português, chegou-nos, ambos à época de suas primeiras edições, A Vida Japonesa, em 1907, Capítulo XXXV (livro 910 F e 100, Biblioteca Mário de Andrade, SP), do lisboeta Wenceslau José de Souza Moraes (1854-1929), dito Portugaru San, citando duas utas (cantigas populares), inegavelmente haicus:
Semi hitotsu
Matsu no yúhi wo
Kaké – keri. |
Raio derradeiro.
A cigarra nele agarra-se,
no alto do pinheiro. |
Além, a cigarra...
ao lado sua casca morta.
Canto de assunção!... |
Waré to waga
Kara ya tamurô,
Semi no koé!... |
e, em 1925, o mesmo Wenceslau Moraes apresentou Relance da Alma Japonesa, onde cita oito hocus e, provavelmente, um haibum (espécie de prosa com um satélite em trevo visando a mesma concisão e proposta), especialidade de Yokoi Yayu (1703-1783). Cigarra é palavra da sazão (quigo) verão.
Porque à epoca desconhecíamos e/ou dispensamos e resolvemos ignorar as palavras hocu e haicu, mesmo a troco até hoje, de erro e confusão por não usarmos as palavras originais, não se justifica continuarmos ignorando-as. Considero-me um haicuísta e não, por ora, também um haicaísta.
Em 1919, Júlio Afrânio Peixoto (1876-1947), nos dá em prefácio de Trovas Brasileiras, cinco lindíssimos trevos japoneses, porém, nenhum haicu.
O trevo guilhermiano ou guilhermino, rima os versos de 5 sílabas e, o do meio, a 2a (não necessariamente; facilitemos!) com a 7a. Guilherme de Almeida colocava título em seus poéticos trevos. Vejamos dois deles, denominados, respectivamente, O Haicai e Histórias de Algumas Vidas:
Lava, escorre e agita
a areia. E enfim, na bateia
fica uma pepita.
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Noite. Um silvo no ar.
Ninguém na estação. E o trem
passa sem parar. |
Com seus títulos, em ambos, temos trevos à ocidental; sem os mesmos, trevos personagem.
Trevos à Ocidental
(algum Lineu do futuro há de certamente fazer melhor divisão!)
Eu o enterrei,
mas haverá alguma planta
que flore em filho?
Uejima Onítsura (1661-1738) |
Stop.
A vida parou.
Ou foi o automóvel?
Carlos Drummond de Andrade |
O haicai verdadeiro:
perfume que em si resume
um rosal inteiro
Primo Vieira |
Com toda beleza
fulgurante, há no diamante,
também impureza.
Cyro Armando Catta Preta |
Ninguém briga,
à hora (verde) do almoço.
Mas, após, por um osso.
Cassiano Ricardo |
Ó glória de mandar, ó vã cobiça
dessa vaidade a quem chamamos fama,
nomes com quem se o povo néscio engana.
Luís Vaz de Camões |
Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.
Carlos Drummond de Andrade |
Sem a loucura,
que é o homem mais que a besta sadia
cadáver adiado que pocria?
Fernando Pessoa |
De fonte oficial:
ninguém se entende também
na Aldeia Global.
Waldomiro Siqueira Júnior |
Ó senhor ladrão
grato por me ensinar
nada é nosso.
Gustavo Alberto C. Pinto |
Jesus, piedoso,
abre os braços, acolhendo,
até, os cristãos...
Lyad de Almeida |
Júlio César conquistou
o mundo com fortaleza,
vós, a mim, com gentileza.
Luís Vaz de Camões |
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